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quinta-feira, 7 de março de 2019

Ismália da vila do mar


06/06/2017
Ela era poesia e os tempos eram de guerra. Tinha a estranha mania de viver sorrindo. Preferia estar sempre fora de casa, admirando a natureza ou lendo. Escandalizava a vila inteira porque tomava banho de mar.
Mas o que ela fazia, que mais chocava a todos, era o costume de declamar seus poemas, do alto da estátua do fundador da vila, sempre que o sol estava se pondo: odes a natureza.
Alguns riam, não entendiam porque tanto deslumbramento pelas coisas que sempre estiveram ali e sempre estariam. Outros recriminavam seu velho pai, dono da livraria da cidade, que permitia o excesso de exposição da jovem.
Até que um dia, o conde passava pela vila, e notou Ismália, que do alto da estátua do seu tataravô, parecia em êxtase: o rosto rubro, a boca inquieta e cheia, os olhos que brilhavam e o vestido que pingava. Na mesma hora decidiu tomar Ismália como amante.
De todas as formas a cortejou. Mandou jóias, chamou para jantares, elogiou sua beleza e até dispôs a biblioteca particular do castelo da família para que a jovem visitasse sempre que quisesse.
Mas Ismália sempre o repelia, mal o notava. Prezava por sua liberdade, e sabia que ceder minimamente ao conde poderia pôr tudo a perder.
Enfurecido com o desprezo da jovem, o conde mandou prender Ismália na torre mais alta do castelo:
-Se tu não fores minha, não serás de mais ninguém. E o mar, fitarás todo dia de longe, sem nunca mais poder nele entrar.
O pai da jovem tentou protestar, mas o conde insistia que fazia aquilo pela segurança da moça, alegando que ela tinha enlouquecido. E o povo da vila apoiava. Estavam até aliviados. A liberdade de Ismália ofendia, pois, em comparação, a vida deles parecia uma prisão.
Numa noite de banquete no castelo, depois do conde beber muito, foi até Ismália, e com violência arrancou a roupa da menina, que se debatia e protestava, mas acabou perdendo, e ficando completamente despida. Enquanto o conde, triunfante, cambaleava para tirar a própria roupa, Ismália, desesperada, subiu no parapeito da janela da torre.
-Desça Ismália, tu não tens para onde fugir.
Sentindo a lua cheia em seu corpo, Ismália sorriu entre lágrimas. Abriu os braços, fitou as ondas que se quebravam sobre a torre, e, sem olhar para trás, respondeu:
-Adeus, conde, meu corpo só pertencerá ao mar.

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