06/06/2017
Ela
era poesia e os tempos eram de guerra. Tinha a estranha mania de viver
sorrindo. Preferia estar sempre fora de casa, admirando a natureza ou lendo. Escandalizava
a vila inteira porque tomava banho de mar.
Mas
o que ela fazia, que mais chocava a todos, era o costume de declamar seus
poemas, do alto da estátua do fundador da vila, sempre que o sol estava se
pondo: odes a natureza.
Alguns
riam, não entendiam porque tanto deslumbramento pelas coisas que sempre
estiveram ali e sempre estariam. Outros recriminavam seu velho pai, dono da
livraria da cidade, que permitia o excesso de exposição da jovem.
Até
que um dia, o conde passava pela vila, e notou Ismália, que do alto da estátua
do seu tataravô, parecia em êxtase: o rosto rubro, a boca inquieta e cheia, os
olhos que brilhavam e o vestido que pingava. Na mesma hora decidiu tomar
Ismália como amante.
De
todas as formas a cortejou. Mandou jóias, chamou para jantares, elogiou sua
beleza e até dispôs a biblioteca particular do castelo da família para que a
jovem visitasse sempre que quisesse.
Mas
Ismália sempre o repelia, mal o notava. Prezava por sua liberdade, e sabia que
ceder minimamente ao conde poderia pôr tudo a perder.
Enfurecido
com o desprezo da jovem, o conde mandou prender Ismália na torre mais alta do
castelo:
-Se
tu não fores minha, não serás de mais ninguém. E o mar, fitarás todo dia de
longe, sem nunca mais poder nele entrar.
O
pai da jovem tentou protestar, mas o conde insistia que fazia aquilo pela
segurança da moça, alegando que ela tinha enlouquecido. E o povo da vila
apoiava. Estavam até aliviados. A liberdade de Ismália ofendia, pois, em
comparação, a vida deles parecia uma prisão.
Numa
noite de banquete no castelo, depois do conde beber muito, foi até Ismália, e
com violência arrancou a roupa da menina, que se debatia e protestava, mas
acabou perdendo, e ficando completamente despida. Enquanto o conde, triunfante,
cambaleava para tirar a própria roupa, Ismália, desesperada, subiu no parapeito
da janela da torre.
-Desça
Ismália, tu não tens para onde fugir.
Sentindo
a lua cheia em seu corpo, Ismália sorriu entre lágrimas. Abriu os braços, fitou
as ondas que se quebravam sobre a torre, e, sem olhar para trás, respondeu:
-Adeus,
conde, meu corpo só pertencerá ao mar.