Um
dia desses andava pela rua. Um passarinho voou na minha frente e perdi a linha
de raciocínio. Fiquei intrigada porque sei que estava em mente uma ideia
realmente original. Depois de dedicar dois ou três minutos na tentativa de
retomar de onde parei, desisti, pois pensando bem, se era tão importante, não
teria se desvanecido tão fácil. Segui em frente.
Mais
adiante, na calçada da rua do Aurora, encontrei Ricardo sentado e admirando a
bela vista dos últimos raios de sol da tarde refletidos no rio Capibaribe.
-Boa
tarde, amigo, como vai Tereza? – perguntei por obrigação social, detestava
Tereza e sua antipatia mal disfarçada.
-
humm, boa tarde, ela está bem, acho eu. – respondeu Ricardo um tanto ressabiado.
Imaginei que o casamento não ia tão bem, se ele estava sozinho num sábado,
ainda mais com aquelas roupas esquisitas. A calça Jeans rasgada necessitava de
óbvios remendos aqui e ali.
Crianças
correndo e gritando passaram do nosso lado, pareciam animadas e descontraídas. Um
pouco mais à frente, sentadas nos bancos, duas ou três mães observavam um tanto
apreensivas o movimento das crianças junto de nós dois.
-
E os meninos? – perguntei para puxar assunto.
-
Parecem felizes – achei meio vaga a resposta de Ricardo, acho que uma separação
realmente havia acontecido, talvez já fizesse um tempo, me perguntei como não
fiquei sabendo, eram tão próximas as nossas famílias. Pensei se deveria alertar
Ricardo, que a separação não era motivo para deixar de ver os filhos, achei
melhor não me meter, não sem saber um pouco mais sobre a situação.
-
Casamento é complicado, nem sempre dá certo, né? – resolvi dar oportunidade
para que o assunto surgisse.
-
É, parece que para mim, ainda não deu para chegar lá. E já estou passando da
idade. – Achei a resposta enigmática e Ricardo meio melancólico. Como ele
parecia solitário, resolvi interromper o meu caminho e sentar do seu lado
naquele banco de cimento comprido junto do rio.
-
Vê o rio? Ele sempre corre para o mar. Podem ocorrer desvios no caminho,
algumas quedas podem surgir, mas olhando de fora são belas as cachoeiras. E o
rio produz vida por onde passa. É bonito, além de realmente necessário. Assim
são os casamentos: podem ser complicados, mas são necessários à vida. O curso
natural do rio é o mar, e o mar é objetivo de ouro, é a chegada no fim da
linha. Chegar no final, certos de que fizemos o que estava ao nosso alcance
para que a vida fosse plena é o objetivo maior. O mar é olhar para trás e
relembrar, feliz, tudo o que passou. As ondas jogam as lembranças na areia, só
para as puxarem de volta logo em seguida. É melhor que sejam boas as
lembranças, para que o relembrar não seja amargo, é mais bonito quando as ondas
são azuis. O rio é turvo, mas no final, no mar, as coisas são mais claras e a
gente entende. – Me espantei comigo mesma. Minhas palavras foram espontâneas, mas
pareciam que pertenciam a uma idosa, não a mim, que mal tinha completado trinta
anos.
-
Você deveria escrever isso, é bonito, além de ter sentido, ainda que seja meio
estranho. Você tem papel e caneta? Posso comprar pra você. - O oferecimento educado de Ricardo me deixou
pensativa, - É claro que tenho papel e caneta em casa, - enfatizei com um
franzir da testa – Vou tentar lembrar até chegar lá. – respondi orgulhosa e
confusa.
-
Bem, já é hora de ir. Você tem certeza que não quer uma ajuda? Posso garantir o
seu jantar dessa noite. – Ele parecia oferecer de modo gentil, mas por algum
motivo, apesar de perceber que realmente tinha fome, balancei a cabeça
negativamente.
– Até mais, a gente se vê por ai. – me despedi
e segui meu caminho para a Av. Conde da boa Vista, se calhasse, assistiria um
filme no São Luiz, se não, talvez umas compras na Mesbla serviriam para me
tirar daquele clima meio melancólico que Ricardo me metera. Ou será que eu já
estava assim? O que afinal eu estava pensando mesmo? [...] Finais de casamento
são tristes, espero que eles se entendam, uma pena que ele não quis se abrir
comigo.
Sempre
gostei de caminhadas, segui pela Boa Vista, ignorando o apelo da diversão fácil
do cinema. Achei que as lojas pareciam diferentes demais do que eu lembrava,
quanto tempo será que eu não venho aqui? Parecia que hoje a sensação de
esquecimento me perseguia em cada esquina.
Na
frente de uma loja de roupas, de relance na vitrine vi uma velha meio suja
refletida, tomando um pequeno susto, resolvi entrar.
–
Gostaria de um copo de água? ofereceu a
vendedora, que, por algum motivo, parecia ter pena de mim. Seus olhos, contudo,
eram tão bondosos, que aceitei o oferecimento com um aceno positivo de cabeça.
Bebi
a água fornecida num copo descartável e a entornei de uma só vez, estava com
sede também, sede demais.
-
Você só não pode demorar muito, por que o gerente já vai chegar e ele não gosta
que eu ofereça água para quem não é cliente. – falou a moça meio que se
desculpando.
Agradeci,
mas saí ofendida, como ela poderia supor que eu não era uma cliente?
Esbarrei
num jovem aflito na saída da Loja, que parecia estar procurando alguém. – Mãe, graças a Deus que eu te achei, onde
você foi? Não faz isso mãe, não faz não. – Falou o jovem que me abraçava
efusivamente enquanto atropelava as palavras.
Como
ele parecia confuso, tive pena, talvez fossem as drogas. Já pensou eu com filho
de barba? Ele até me parecia familiar, mas era impossível, é claro que eu
lembraria.
-
Que é isso menino, eu te conheço? Falei com firmeza, ainda que suavizando com
um sorriso no final, não queria confusão.
-
Mãe, você piorou! – Lamentou o rapaz -
Faz três dias que você sumiu, te procuramos por toda parte. Onde você
estava?
Fiz um esforço para recordar
onde estive nos últimos dias, e eu simplesmente não lembrava. Voltou aquela
sensação de que em algum lugar no meio do caminho eu tinha perdido... que lindo
pássaro!Publicado na coletânea de Contos e Poesias da 2ª Edição do Concurso Literário TJPE - O Judiciário em conto e verso - Realizado em agosto 2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário